2 de novembro de 2008

"A VIAGEM VERTICAL"

Quando comecei a gostar de livros, percebi perfeitamente que tinha iniciado uma viagem sem regresso. Na altura frequentava um círculo de Amigos que falavam e discutiam assuntos, que eu nunca tinha sequer ouvido falar. Chamava-se a essa forma de aprendizagem a "Universidade do paleio". Foi assim que os autores malditos, entraram pela primeira vez na minha casa. Foram ficando! Depois ao longo dos anos, quantas vezes não me aconteceu levar um livro totalmente desconhecido, só porque na capa estava isto ou aquilo, um pormenor que quantas vezes nos pega pela mão sem o sabermos, e temos o livro connosco para sempre. Foi assim com " A Viagem Vertical " de Enrique Vila-Matas. Adquiri o livro em Março de 2003 sem saber ao que ia. Lembro-me sim da capa, parecia uma fotografia da " boca do inferno " lugar mítico, perto de Cascais, de onde o mágico terá fugido/desaparecido para sempre ao Amigo Pessoa? Não me apercebi sequer que a viagem vertical seria para mim, até então uma modalidade desconhecida, pela fuga em frente. A personagem do romance de Vila-Matas, Federico Mayol, homem de negócios, septuagenário, nacionalista catalão, jogador de póquer vê-se subitamente em plena velhice, obrigado a deixar a sua casa para sempre. Fantasmas da idade, a solidão, a loucura e depois a dicotomia:sobrevivência ou suicídio? Esta derradeira viagem vertical de Federico Mayol, começa em Barcelona, evoca a cidade ou o filme da sua vida mas ao contrário, depois surge-nos na cidade do Porto com passagens pelo Majestic ou Hotel da Boavista - e que belíssimos comentários sobre estes lugares - acerca-se de Lisboa, e fala-nos da "Boca do Inferno" como a terra da serpente, ou seja o perder da pele, um catarse diferente. Deixar para trás algo que nunca mais somos! O porquê desse lugar? A diversidade Pessoana por perto? Talvez essa desmultiplicação de seres, e continua a viagem rumo desta feita à Madeira, onde o personagem desaparece, como que num fosso Atlântico para adormecer em Havana. Ajuste de contas finais com o passado, porque existem (sempre) idades para começar de novo, tudo! Por isso Federico Mayol nos avisa: " Quando viajas com alguém, tens sempre a tendência para ver o que te rodeia com estranheza enquanto que, quando viajas só, o estranho és sempre tu". O perder da pele, ou o "Eu estranho pessoano" por perto! Grande mapa de nós mesmo, em qualquer idade este belo livro do (in)comum, Enrique Vila-Matas.